Decanato de Extensão investe R$ 900 mil em bolsistas

novembro 19, 2009 às 3:54 pm | Publicado em Notícias | 1 Comentário
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(SECOM – UnB) Valor é 48% maior do que em 2008. Número de projetos de extensão também cresceu: de 150 para 201, um aumento de mais de 30%
Carolina Vicentin – Da Secretaria de Comunicação da UnB

A extensão é a atividade-fim da universidade que leva o conhecimento de professores e pesquisadores à população. Para que essa meta seja realizada, é preciso investir em programas, cursos, bolsistas. Em 2009, a extensão da Universidade de Brasília acumulou resultados positivos, a começar pelo pagamento dos estudantes envolvidos em projetos. O valor destinado a bolsas aumentou 48% em relação ao ano passado. Com R$ 900 mil, a gestão de José Geraldo de Sousa Junior financiou o aprendizado de 312 alunos do Programa Institucional de Bolsas de Extensão (Pibex). O Reuni, o plano de reestruturação das universidades federais, também incrementou o contingente de bolsistas – 63 universitários passaram a receber a mesma bolsa do Pibex, de R$ 300 mensais.
A diretora Técnica de Extensão, Jeane Rotta, explica que o aumento do recurso – no ano passado, foram 609 mil para o mesmo fim – possibilitou pagamento mais equânime aos bolsistas. “Em 2008, tínhamos bolsas com duração de quatro e 10 meses. Este ano, todas são de oito meses”, detalha. “Queremos todas as bolsas de 10 meses a partir do ano que vem. Nossa meta é igualar o Pibex ao Pibic (programa de iniciação científica), que tem 12 meses”, avisa o decano de Extensão, Wellington Almeida.
O decanato também modificou a forma de seleção dos bolsistas. Até o ano passado, a escolha era feita por uma equipe do DEX, que levava em consideração lista encaminhada pelo coordenador do projeto e o Índice de Rendimento Acadêmicos (IRA) dos estudantes. Agora, o professor faz a escolha dos alunos que irão desenvolver o trabalho. “O docente tem mais sabedoria para definir quem se adequa à função”, aposta a professora Jeane Rotta. Para Gustavo Pereira Martins, do 8º semestre de Veterinária, o novo sistema favorece atividades especializadas. “O IRA se refere ao desempenho geral, não mede a capacidade na área específica do projeto. Claro que o esquema de seleção não pode virar QI, mas penso que o benefício excede o risco”, opina.
BOOM DE PROJETOS – Até setembro deste ano, a administração conseguiu subir de 150 para 201 o número de projetos de extensão de ação contínua cadastrados.  O Centro Interdisciplinar de Formação Continuada (Interfoco), vinculado ao DEX, realizou 351 cursos de extensão, para 4.936 pessoas. Esse número deve mais que dobrar até o final do ano. Apenas o Programa de Gestão da Aprendizagem Escolar (Gestar II) vai formar 4,7 mil educadores pelo Interfoco.
A IX Semana de Extensão – o maior evento da UnB para a comunidade – atingiu público recorde de 22 mil pessoas, quase o dobro do ano passado. A população participou de 400 atividades, entre palestras, oficinas, exposições e debates. Do total de envolvidos, 77,23% nunca tinham participado da semana. “O evento cumpriu com o objetivo da extensão. Tivemos foco na sustentabilidade, com a tenda principal montada com bambus e o uso de sacolas de algodão”, lembra a professora Jeane Rotta.
Agora, uma das prioridades da Diretoria Técnica de Extensão é a retomada das ações nos núcleos da UnB em cidades do DF. Em 2009, houve queda de 86% no número de atendimentos em São Sebastião e Brazlândia. “É o meu desafio para 2010. Precisamos entender melhor a demanda dessas cidades e fortalecer os laços com as comunidades”, diz Jeane.
O Decanato de Extensão também pretende aumentar o fomento institucional aos projetos de ação contínua. “É o único apoio que eu tenho. Os órgãos de fomento não têm o olhar voltado para a extensão”, conta a professora Nancy Alessio Magalhães, responsável pela iniciativa Abrigos da Memória na região de Brasília, que registra as lembranças de grupos sociais comumente esquecidos nos livros.
Outra meta da gestão é garantir que os cursos do Interfoco sejam gratuitos, exceto os que são bancados por instituições e governo. O decano Wellington Almeida destaca ainda o trabalho para garantir a integralização de até 10% dos créditos em atividades de extensão. “Mas esse é um longo processo, estamos trabalhando para implantar nos currículos dos novos cursos, que estão em construção. A mudança não pode ser impositiva, é preciso envolver todos no debate”, diz ele.

O Projeto Promotoras Legais Populares, a Interferência Socal na Construção do Espaço Urbano e o Aluno de Dieito

novembro 18, 2009 às 4:45 pm | Publicado em Artigos, Promotoras Legais Populares | Deixe um comentário
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Por Laila Maia Galvão – Graduanda em Direito pela UnB e Participante do Grupo Brasil & Desenvolvimento. Texto publicado na 6ª edição da Revista dos Estudantes de Direito da UnB (REDUnB).

Brasília é uma cidade única, em todos os sentidos. Seu projeto urbanístico, elaborado por Lúcio Costa, determina uma cidade em formato de avião. Assim, asa sul e asa norte iriam compor o chamado Plano Piloto. Ao longo desses 46 anos, vários sentidos surgiram para a palavra Brasília: que pode ser apenas mais uma das mais de vinte regiões administrativas do Distrito Federal (que abrange a asa sul, a asa norte e a área central do plano piloto); que também pode significar a união da área central com o Lago Sul e o Lago Norte; que pode ser, como normalmente é considerada pelos habitantes, uma soma das regiões já mencionadas com o setor sudoeste e octogonal; e, por fim, Brasília pode ter a conotação de região que abrange o Plano Piloto e todas as demais cidades satélites. Esta última concepção de Brasília está relacionada à visão de que a cidade teria a característica de ser polinucleada, visto que as demais cidades do entorno estão articuladas à região central e que não possuem autonomia, já que são dependentes de diversas maneiras, inclusive quanto à questão do emprego.

Contudo, podemos observar a densidade demográfica, cultural e econômica de algumas cidades satélites. Enquanto Brasília, entendida como a região administrativa que compreende o Plano Piloto, possui por volta de 200 mil habitantes, a cidade de Ceilândia, localizada a 27 km de Brasília, possui aproximadamente 350 mil moradores[1]. É a maior concentração demográfica do Distrito Federal, composta por subdivisões como: Ceilândia Centro, Ceilândia Sul, Ceilândia Norte, Guariroba, P Sul, P Norte, Setor O, Expansão do Setor O, QNQ, QNR, Setores de Indústria e Materiais de Construção e parte do Incra.

Com uma história bastante diferente da capital nacional, que foi projetada e sonhada por diversos intelectuais e políticos da época, Ceilândia foi um projeto idealizado como forma de erradicar as favelas do Distrito Federal. Já em 1969, o DF contava com um número bastante significativo de pessoas que viviam em barracos, 79.128 pessoas, que possuíam uma péssima qualidade de vida. O governador da época, alarmado com a situação, solicitou à Secretaria de Serviços Sociais a erradicação das favelas.

Dessa maneira, foi criada a Campanha de Erradicação das Invasões, a CEI, que veio a nomear a cidade como Ceilândia. Demarcações de lotes foram feitas no território da antiga fazenda Guariroba e logo passaram a transferir os moradores de diversas invasões para a nova cidade que estava sendo construída. O projeto da cidade, do arquiteto Ney Gabriel de Souza, é formado por dois eixos principais cruzados, em formato de barril.

No início, a população carecia de infra-estrutura básica, sofrendo com a lama e a poeira e com a falta de iluminação pública e saneamento básico. Entretanto, com a organização da comunidade, os moradores passaram a reivindicar seus direitos, e, dessa forma, foram vitoriosos em muitas de suas lutas.

Sem dúvida, diversos aspectos das histórias de Brasília e de Ceilândia não são coincidentes. Por mais que se diga que as cidades-satélites sejam dependentes, Ceilândia possui uma grande população e apresenta uma atividade econômica bastante significativa. Seu dinamismo próprio já a caracteriza como cidade distinta da realidade do plano piloto.

O livro Ceilândia: Mapa da Cidadania faz uma distinção entre dois períodos da história da cidade, demonstrando como ela foi ganhando força e autonomia ao longo das últimas décadas. Depois da remoção de inúmeras pessoas para a região de Ceilândia, houve, até meados da década de 80, uma grande organização social coletiva que se voltava principalmente para a questão habitacional:

As precárias condições de vida, a dificuldade de pagar e legalizar os lotes, a necessidade de buscar formas de identidade coletiva, valorizando o habitante e o espaço habitacional, deram origem a movimentos sociais e à formação de várias lideranças locais.[2]

Dessa maneira, muitas das reivindicações desses primeiros movimentos sociais foram atendidas sendo instalada, por exemplo, rede de água e esgoto em toda a cidade. Dessa forma, a questão da implantação de infra-estrutura urbana foi sendo paulatinamente resolvida dando início a um novo período no qual a cidade de Ceilândia, já nos anos 80, obteve grande desenvolvimento e ganhou maior autonomia. Foi alterado, então, o perfil dos movimentos sociais. Eles, em sua maioria organizações não-governamentais (ONGs), passaram a se voltar principalmente para as questões sociais e culturais. Alguns dos motivos para essa alteração podem ser os baixos níveis escolar e de renda dos ceilandenses e também a falta de identidade cultural da cidade devido à rápida expansão populacional.

Surge, nesse contexto de formação de novas organizações civis, em 1997, o Núcleo de Prática Jurídica e Escritório de Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília – UnB, localizado na parte central da cidade de Ceilândia. Seu objetivo é prestar assessoria jurídica à população local, como forma de aprendizagem para os alunos de Direito, e também proporcionar maior apoio a projetos que envolvam questões como a cidadania e a defesa dos direitos humanos.

Constava no projeto original do núcleo, desenvolvido pela Faculdade de Direito da UnB com a parceria do Ministério da Justiça e da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, duas áreas de atuação: o acampamento da Telebrasília e Ceilândia. No que tange a questão da assessoria jurídica, o acampamento da Telebrasília receberia auxílio principalmente em relação ao direito à moradia. Ceilândia, por ser uma cidade muito grande, representava maiores desafios:

Ceilândia, por sua vez, uma comunidade maior e mais complexa – sua população em 1996, segundo censo realizado pelo IBGE, era de 342 mil 834 habitantes – apresentava reivindicações com características mais difusas, exceto quanto ao patamar da assistência judiciária gratuita, uma experiência herdada da tradicional atuação do clássico Escritório Modelo da Faculdade de Direito.[3]

O Núcleo, hoje, não conta somente com assessoria jurídica. Lá também está o projeto das Promotoras Legais Populares[4], que é, de maneira bastante sucinta, um curso de capacitação realizado para as mulheres da comunidade que trata de temas como: cidadania, discriminação de gênero, violência contra a mulher, direitos humanos, noções básicas de Direito, entre outros. O projeto é realizado com a parceria da UnB – Faculdade de Direito, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – Núcleo Pró-Mulher, da AGENDE – Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento e do Centro Dandara de Promotoras Legais Populares. Entre os coordenadores, portanto, encontram-se alunos de Direito da UnB.

O caminho que separa a UnB do Núcleo de Prática Jurídica já é, por si só, instrutivo. Os alunos do Direito da UnB, em sua grande maioria, nasceram e cresceram no Plano Piloto. O Distrito Federal e a sua constituição urbana peculiar favorecem certa segregação entre as regiões administrativas e promovem um distanciamento entre a classe média, classe média alta e as comunidades carentes. O entorno cresce de maneira expressiva, formando um anel de pobreza e miséria ao redor do centro político do país.

Uma das vias que une o Plano Piloto a Ceilândia, que é um dos acessos dos estudantes ao Núcleo, já é o primeiro contato dos alunos com uma realidade diferente. Ao contrário das vias às quais estão acostumados, a Via Estrutural traz uma visão nova e instigante. A Vila Estrutural é uma ocupação de 154 hectares à beira da via que carece de asfalto, escolas e hospitais, sendo um local impróprio para habitação, uma vez que se constituiu ao lado de um lixão.

Este contato, mesmo que somente visual, com uma comunidade tão necessitada, já é uma forma de sensibilizar o estudante de Direito, que é originário de um mundo totalmente distinto. Ele se depara com um ambiente onde direitos básicos são explicitamente violados e, assim, passa a questionar a efetividade do que está escrito nas normas jurídicas.

Ao entrar em Ceilândia, o aluno se depara com uma cidade grande, movimentada e ativa, quebrando o estereotipo de cidade dependente e menos importante. Sabe-se que qualquer cidade que ultrapasse a marca de 300 mil habitantes já possui grande relevância. E assim, é notável que, por mais que tenhamos sempre ressaltado a história da cidade de Brasília, Ceilândia já possui uma história própria, que une tradições locais à tradição nordestina, além de ser formada por parques, museus e feiras que propiciam o cultivo da cultura daquela cidade. Sair do centro da cidade e explorar novas comunidades urbanas dá condições ao aluno de melhor perceber a dinâmica urbana da região na qual vive.

No campo teórico, inclusive, é dito que todas as escalas urbanas são importantes e possuem relevância. Portanto, a análise de uma região deve englobar não só a análise do seu centro histórico e/ou econômico como também seus subúrbios, periferias, zonas, comunidades locais entre outros.

A economia urbana tradicional, no entanto, defende um conceito organizador central, ou seja, se restringe a uma análise convencional que prega a existência de um centro de uma determinada cidade que irá predominar sobre seu interior. A tendência mais recente neste campo, contudo, é considerar modelos policêntricos:

(…) a presença de núcleos múltiplos sugere a diferenciação funcional cada vez mais complexa do espaço urbano dentro das regiões metropolitanas. Isso põe em questão a hipótese principal da predominância do centro histórico da cidade.[5]

Dessa maneira, como já dito anteriormente, considerar o plano piloto como centro predominante e os demais núcleos como subjugados a essa predominância é um tanto inadequado. Por isso, uma instituição de tamanha relevância social, como uma Universidade, deve ter a capacidade de atingir esses mais variados núcleos urbanos, que são constantemente formados e constituídos nesta complexa sociedade contemporânea na qual vivemos. Por isso é importante que o aluno de Direito entre em contato com outras zonas e comunidades locais para melhor compreender a dinâmica das cidades e da sua cidade e para, até mesmo, exterminar certos preconceitos e atenuar segregações urbanas.

O contato que talvez deva ser mais comentado é a relação entre os alunos da UnB e as mulheres de Ceilândia e de outras cidades satélites. Sem dúvida, durante as manhãs de sábado, ocorre uma troca de conhecimentos incalculável e inestimável. A trajetória de vida de cada um é, certamente, única, e tal fato contribui para uma pluralidade de idéias e concepções. A vivência em Ceilândia ou em Brasília, com certeza, são bastante distintas e será essa troca de experiências que irá enriquecer o conhecimento de todos os participantes do projeto, tanto dos coordenadores e dos palestrantes quanto das mulheres do curso. A proposta do projeto Promotoras Legais Populares é que ocorra, nas manhãs de sábado, esse diálogo. Dessa forma, trata-se de um método de ensino e aprendizagem horizontal, não havendo uma hierarquia dentro do auditório onde ocorrem as oficinas. Não há diferenciação de importância das falas e intervenções nas aulas.

Por mais que esse curso seja destinado à capacitação das mulheres daquela comunidade, é sabido que os alunos de Direito se beneficiam muito do contato com essa realidade. Além de ser uma maneira de estender os horizontes e de se abrir para novas realidades sociais, o aluno tem a oportunidade de escapar do ensino tecnicista do Direito para se deparar com as verdadeiras demandas jurídicas da sociedade. É este contato com a população que propicia ao estudante uma melhor percepção do fenômeno jurídico.

Ademais, o Direito, por estar inserido no campo das ciências humanas, deve compreender o fenômeno da urbanização. O autor David Harvey assume que as investigações profundas em algumas das raízes e da natureza dos processos urbanos podem facilitar a compreensão das sucessivas revoluções em tecnologia, relações espaciais, relações sociais, hábitos de consumo, estilos de vida, que são características da história capitalista:

Com muita freqüência, no entanto, o estudo da urbanização se separa do estudo da mudança social e do desenvolvimento econômico, como se o estudo da urbanização pudesse, de algum modo, ser considerado um assunto secundário ou produto secundário passivo em relação a mudanças socais mais importantes e fundamentais.[6]

Por mais que essa discussão espacial-urbana seja essencial para uma melhor compreensão da realidade na qual estamos inseridos, não podemos assumir uma postura determinista de que a organização urbana definirá a estruturação social. Não podemos, portanto, cair no que Anderson chamava de fetichismo espacial, ou seja, atribuir às próprias cidades poderes e atributos que pertencem às instituições e às atividades desenvolvidas dentro desses lugares.[7] “Lugares e formas não fazem nada e não produzem nada por si mesmos – somente as pessoas dentro das redes de organização social é que possuem esse poder”[8].

Harvey reforça essa posição:

(…) a reificação das cidades em combinação com a linguagem que considera que o processo urbano aspecto ativo em vez de passivo do desenvolvimento político-econômico impõe grandes riscos. Faz parecer como se as “cidades” pudessem ser grandes agentes ativos quando são simples coisas. De modo mais apropriado, dever-se-ia considerar a urbanização um processo social espacialmente fundamentado, no qual um amplo leque de atores, com objetivos e compromissos diversos, interagem por meio de uma configuração específica de práticas espaciais entrelaçadas.[9]

É o ser social que irá constituir tanto o espaço social como também as relações jurídicas. Dessa forma, a ativa intervenção do homem é fundamental para a adaptação e transformação do espaço social e político às necessidades reais da população. Dentro dessa concepção de construção social do espaço urbano se insere o projeto das Promotoras. Por se tratar de uma ação afirmativa em gênero, o projeto busca empoderar a mulher para que esta seja personagem dessas modificações e deixe de assumir apenas um papel coadjuvante.

Como sabemos, durante muitos anos a mulher ficou excluída dessa capacidade de transformar o espaço público. A atuação da mulher, na Grécia Antiga, por exemplo, se restringia à esfera privada. As mulheres não eram consideradas cidadãs e, assim, não podiam atuar na esfera pública, da polis, que era a esfera da liberdade[10]. Enquanto a polis era o espaço da igualdade, o ambiente doméstico pressupunha a existência de desiguais: o chefe da família que comandava os demais.

Durante muitos séculos, a mulher vivenciou essa experiência de subjugação, não podendo sair da esfera privada para protagonizar as interferências dos seres humanos na produção do espaço social ou para participar ativamente desses processos. Foi somente no século XX que as lutas feministas ganharam enormes proporções, trazendo enfim a emancipação da mulher. Alguns marcos históricos, como é o caso do voto feminino, representam essa instauração de um novo paradigma que buscar firmar a igualdade de gênero.

Afirma-se, então, nesse novo contexto, a mulher como sujeito de direito, detentora de atribuições jurídicas e capaz de reivindicá-las, através de uma atuação efetiva no meio social. O sexo feminino, a partir de suas lutas, passa a implicar, de forma direta e positiva, na construção social, política e cultural de sua localidade. O empoderamento da mulher, portanto, se vincula a essa relação entre ela e o local no qual vive.

Por tal motivo, um dos conceitos principais do Projeto das Promotoras Legais Populares é a noção da promotora formada como uma multiplicadora. Ela irá atuar em sua comunidade, reforçando os vínculos sociais, para que a própria população se organize e lute em conjunto por seus direitos. No caso de Ceilândia, uma cidade que possui um forte histórico de lutas sociais, essas organizações sociais já são dotadas de uma força imensurável. Isso reforça a união popular em torno da reivindicação de suas maiores demandas, favorecendo a constituição de movimentos sociais fortes:

A análise da experiência da ação coletiva dos novos sujeitos sociais, que se exprime no exercício da cidadania ativa, designa uma prática social que autoriza estabelecer, em perspectiva jurídica, estas novas configurações, tais como a determinação de espaços sociais a partir dos quais se enunciam direitos novos, a constituição de novos processos sociais e de novos direitos e a afirmação teórica do sujeito coletivo de direito.[11]

No livro Ceilândia: Mapa da Cidadania, é ressaltada tanto a ação de movimentos sociais como ONGs e associações de bairros como também a atuação de órgãos estatais na formação de uma rede em defesa dos Direitos Humanos. É esta união de forças que irá contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes ceilandenses.

Por meio desta articulação público/privado, o objetivo de alcançar a efetivação dos direitos humanos em Ceilândia ganha espaço e adquire possibilidade concreta de realização, tendo em vista o potencial de ações a serem implementadas na perspectiva da democracia e da cidadania.[12]

Como já diria Harvey, “o poder de organizar o espaço se origina em um conjunto complexo de forças mobilizado por diversos agentes sociais”[13]. Ele denomina isso como “governança urbana”, que vai muito além da noção de governo urbano, uma vez que não envolve apenas as forças administrativas e sim uma grande coalizão de forças. Um exemplo disso em Ceilândia seria a experiência do orçamento participativo, quando a população e a administração da cidade entravam em um diálogo a fim de alocar os recursos da melhor maneira possível. Essa experiência é um claro exemplo de democracia participativa e de coalizão de forças para construção do espaço urbano.

O curso de capacitação das Promotoras fará com que essas mulheres se tornem mais aptas a participar ativamente dessa “governança pública”, agindo em prol da comunidade e buscando a efetiva igualdade de gênero.

Portanto, o curso das Promotoras, ao tratar de temas como desigualdade de gênero, classe e raça, organização do Estado, violência contra a mulher, noções de direitos e atuação das mulheres na comunidade, apenas para citar alguns exemplos, reforça essa conexão do Direito com a constituição do espaço social urbano, fugindo do formalismo e da abstração que muitas vezes prevalecem no mundo acadêmico. O Direito deve representar esse instrumental para se atingir uma melhor qualidade de vida.

A conformação dessas lutas, como é o caso da luta pela igualdade de gênero, é sim material de estudo do aluno de Direito, que a partir da análise desses movimentos formará um saber crítico e se tornará mais apto a perceber com maior profundidade as dinâmicas sociais. Além disso, o estudante de Direito pode, a partir do projeto, ter uma noção modificada do espaço urbano, entendendo ser necessário haver uma descentralização para que o acesso à justiça seja democratizado.

É a compreensão dos fenômenos sociais, como, por exemplo, a produção do espaço urbano e o contato com a população, a partir de projetos de extensão como o Promotoras Legais Populares, que fará com que o futuro profissional do Direito se torne mais apto a solucionar os conflitos que surgem desse emaranhado de relações complexas.

Referências Bibliográficas:

ARENDT, Hannah. As esferas pública e privada. In: A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p.31-88.

GOTTDIENER, Mark. A Produção Social do Espaço Urbano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997.

HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005.

MACHADO, Maria Salete Kern e SOUSA, Nair Heloisa Bicalho de. Ceilândia: Mapa da cidadania em rede na defesa dos direitos humanos e na formação do novo profissional do direito. Brasília: Universidade de Brasília, 1998.

SOUSA JR., José Geraldo de. Movimentos Sociais e Práticas Instituintes: Perspectivas para a Pesquisa Sócio-Jurídica no Brasil. In: Sociologia Jurídica: Condições Sociais e Possibilidades Teóricas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 67-92.

acessado no dia 15/04/2007.

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[1] http://www.ceilandia.df.gov.br/

[2] MACHADO (1998, p. 18)

[3] SOUSA JR. (2002, p.11)

[4] O projeto Promotoras Legais Populares é um projeto de extensão universitária dentro da Faculdade de Direito da UnB e se insere na linha de pesquisa “O Direito Achado na Rua”. Esse projeto, que já existia em alguns países latino-americanos, foi implementado pela primeira vez no Brasil no estado do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. No ano de 2005, foi formada a primeira turma de Promotoras Legais Populares no Distrito Federal, na cidade de Ceilândia (no Núcleo de Prática Jurídica da UnB). O projeto contava e ainda conta com os seguintes parceiros além da UnB: AGENDE – Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento; Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – Núcleo Pró-Mulher e o Centro Dandara de Promotoras Legais Populares. O projeto, por sua vez, é uma ação afirmativa em gênero, que busca empoderar a mulher em uma sociedade ainda desigual nesse quesito. Portanto, o curso trabalha questões como a desigualdade de gênero, mas também lida com assuntos diversos como, por exemplo, desigualdades de classe e raça, noções de Direito, conformação do Estado entre outros. Outro tema bastante presente nas oficinas é a violência doméstica, uma realidade triste, porém latente, que precisa ser combatida. O Promotoras Legais Populares, portanto, tem como objetivo a mobilização social, a promoção da cidadania e um maior acesso à justiça por parte da população por meio da reivindicação de seus direitos. Esses objetivos serão alcançados por um método de ensino horizontal e emancipatório, em oficinas semanais nas quais haverá uma troca de conhecimento e experiências entre o palestrante e as mulheres alunas. Ao final do curso, que tem duração de um ano, elas se formam Promotoras Legais Populares e estão aptas a atuar em suas comunidades como multiplicadoras, buscando a efetivação dos direitos.

[5] GOTTDIENER (1997, p.53)

[6] HARVEY (2005, p. 166)

[7] GOTTDIENER (1997, p.59)

[8] GOTTDIENER (1997, p.265)

[9] HARVEY (2005, 169-170)

[10] ARENDT (1995, p.40)

[11] SOUSA JR. (2002, p.63)

[12] MACHADO (1998, p. 31)

[13] HARVEY (2005, p.171)

Parceria Direito e Psicologia: Projeto Maria da Penha

novembro 12, 2009 às 4:15 pm | Publicado em Artigos, Projeto Maria da Penha | 1 Comentário
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Por Mayra Cotta (Integrante do FEX FD UnB, do Grupo Político Brasil & Desenvolvimento e Graduanda em Direito na UnB)

O Projeto de Extensão Maria da Penha, de atendimento à mulher vítima de violência doméstica, não teria a abrangência e a eficácia desejada pela sociedade e preconizadas pela Lei n. 11.340/2006, se não houvesse a perspectiva de se conferir, para além do Direito Penal, um novo olhar para o enfrentamento desse inaceitável fenômeno.

E é justamente pela possibilidade de parceria com o Instituto de Psicologia da UnB, com a abertura de um espaço interdisciplinar de diálogo e cooperação, que se tem buscado atuar com tais premissas, visando à concreção dos direitos humanos das mulheres submetidas a situação de violência dentro de suas casas. E a proposta é, justamente, oferecer um espaço de acolhimento e escuta que possa favorecer a resolução de um conflito familiar e não somente processar ou punir o agressor.

Nesse âmbito, Direito e Psicologia se aproximam considerando-se que a Justiça lida com pessoas e opera a partir da fala, interferindo na produção de sua subjetividade. E o Projeto trabalha com a idéia de que o profissional do Direito se torna mais qualificado e se humaniza quando, atento a outras leituras de uma realidade,  se desnuda  dos tecnicismos legais e se permite pautar sua atuação pela consideração das contingências  sociais e emocionais que impactam seu cliente.

Atuando em equipe, também o profissional de Psicologia se capacita e pode prestar um trabalho melhor e mais focado, pois a parceria possibilita a compreensão do contexto judiciário e da dinâmica jurídica ao qual o conflito é levado, favorecendo sua intervenção no apoio emocional à mulher,  demandado nesses processos de violência.

Essa parceria é fruto da constatação, percebida pelos esforços de construção da Lei Maria da Penha, de que se faz premente ampliar a ação de enfrentamento da violência para além do Poder Judiciário e dos demais mecanismos de controle social formal, historicamente lenientes com o problema da violência contra a mulher dentro da família.

Os movimentos organizados em defesa dos direitos das mulheres, ao denunciarem uma cultura jurídica reticente em adentrar nas questões consideradas de “âmbito privado”, que perpetua um modelo de família tradicional sob esteio e comando do “chefe” da casa, tocaram num ponto nevrálgico da violência doméstica e que pontua toda a nova ratio legislativa: a violência doméstica só pode ser entendida e combatida quando “lida” numa perspectiva de relações de gênero, que são as  vivencias subjetivas baseadas em  relações de poder.

Considerada a complexidade do fenômeno da violência doméstica contemplada na filosofia protetiva da Lei, que escapam às possibilidades estritamente jurídicas de atuação do Estado, tornam-se, assim, fundamentais a implantação das equipes de atendimento multidisciplinar. E esse é o espírito do nosso projeto.

Para a mulher, fragilizada pela violência e também pela exposição de seu drama a pessoas estranhas, envoltas em rituais jurídicos igualmente distantes de sua realidade, por  vezes é difícil entender o que ela está fazendo naquele ambiente e o que a lei pode significar para ela. E o papel parceiro da Psicologia  atua  justamente  na facilitação do processo de elaboração  de sua subjetividade, de maneira a compreender como o seu lar se tornou um ambiente hostil e de como pode ela se desvencilhar, sem culpas,  do que era uma relação íntima de afeto, mas que agora agride sua dignidade, a objetifica  e desqualifica seu sofrimento.

A atuação engajada de equipes, seja no âmbito de extensão universitária ou de outras áreas da sociedade civil, que ofereçam à mulher vítima de violência doméstica assistência jurídica e psicológica está em consonância com os fins sociais a que a Lei Maria da Penha se propugna e é um dos seus instrumentos mais  importantes, pois encara o desafio de  harmonizar toda a sociedade.

Na contramão de outras legislações, tem justamente o propósito de alterar o modelo tradicional de intervenção, pois é um instrumento de proteção integral à Mulher e não um meio somente de punição ao “agressor”, que não é um estranho, a quem simplesmente a Justiça pode afastar do convívio da sociedade, mas também um sujeito a quem a mulher investe afeto, muitas vezes pai de seus filhos e provedor econômico do lar.   E tal situação é que torna o fenômeno complexo, pois o que a mulher quer é o fim da violência, o que exigem muito mais do que simples repressão e punição. 

Está a equipe ciente de que medidas protetivas trazidas pela lei são inócuas para conter a violência dentro de casa se não acompanhada de ações concretas que atuem no rompimento desse ciclo, busca, assim, um trabalho em conjunto, que, ao mesmo tempo favoreça a representação subjetiva da violência,  e que ressoe esse pedido de ajuda para todos os envolvidos, não com o peso da punição numa dialética inadequada  “agressor” versus “vítima”, mas que possibilite à mulher  tomar decisões genuínas e a quem é parte ativa na agressão, a submissão a medidas educativas para que pare de reagir violentamente.

O ciclo da violência doméstica só cessará quando à mulher puder ser permitido resgatar seu papel como sujeito que toma decisões, que tem escolhas e que pode buscar novas relações e construir novas redes sociais.  

E a elaboração  dessa nova identidade feminina e dessa realidade social  somente pode ser construída com políticas públicas e iniciativas da sociedade  que considerem a complexidade do fenômeno. E é esse o nosso desafio. Somos cientes das particularidades e insuficiências de nossos saberes individuais. E a atuação integrada dos profissionais de Direito e de Psicologia que, por meio da produção, da troca e da socialização de conhecimentos, problematizam e intervêm nessa realidade complexa, é um caminho de dificuldades. Só não são maiores que a satisfação de que juntos podemos ser mais eficientes no acolhimento, na orientação e no empoderamento de quem apenas quer e merece uma vida sem violência.

Extensão Para Quem?

novembro 9, 2009 às 2:46 am | Publicado em Artigos | 2 Comentários
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Por Gilberto Gomes (Membro do FEX FD UnB e Aluno de Graduação em Direito do 3º Semestre)

Escrevo em resposta a uma afirmação que muito freqüentemente se faz sobre a extensão, um dos “pés constitucionais”, sempre bom lembrar, do tripé no qual se baseia a universidade brasileira. Contextualizarei essa afirmação em uma situação hipotética. Essa situação consiste numa reunião de um conselho de uma Faculdade de Direito. Nessa reunião, um professor, que há muito leciona em tal faculdade, e que para os fins desse texto chamaremos de “catedráulico fundamental”, ao saber da movimentação dos alunos dessa faculdade em melhor articular a extensão, se assusta ao saber o conceito utilizado para extensão. O catedráulico fundamental, hipotético e usado aqui para fechar logicamente o cenário, afirma, categoricamente: “mas extensão é darmos aulas para fora da universidade”.
 
É uma idéia bastante literal do que seja extensão. É a extensão como “ato ou efeito de estender; ampliação, aumento”. Porém, uma das propostas de discussão inseridas neste Fórum é a de que façamos uma extensão do termo, no sentido de “aplicação extensiva do sentido de uma palavra, locução ou frase”.
 
Seria a extensão apenas a divulgação do saber acadêmico para além muros da universidade? Ou, ainda pior, seria a extensão uma ferramenta de imposição desse saber para a sociedade? Respondo: não podemos considerar a extensão simplesmente a reprodução do saber feito na academia, em um monte Olimpo onde catedráulico fundamental e seus colegas discutem sobre as coisas “altas”. A extensão que propomos tem uma extensão (“dimensão, tamanho”) muito maior.
 
Uma das formas pelas quais podemos medir essa extensão é tentando responder à pergunta “extensão pra quem?”. Catedráulico fundamental logo afirmaria: “para a sociedade, temos que deixá-la a par do conhecimento que produzimos para salvá-la de si mesma!”. Outros poderiam também responder: “Para os extensionistas, claro, é uma das formas do estudante conseguir horas complementares, não?”.
 
Esses conceitos ainda não chegam à extensão (“importância, alcance”) do que pode vir a ser a extensão universitária.
 
Temos que buscar enxergar a extensão não apenas como um prolongamento da universidade sobre a sociedade, nem apenas como apenas mais uma atividade para o universitário. A extensão pode, e melhor que seja, vista como feita tanto para a sociedade quanto para o extensionista.
 
Vejamos a extensão como o lugar de encontro de experiências! Como a oportunidade da experiência acadêmica se misturar à experiência cotidiana. Como uma forma única de se verificar se os conceitos rígidos da academia se aplicam na realidade; e de buscar na realidade realidades que possam ser traduzidas em novos conceitos.
 
A extensão não é imposição. É diálogo. Um diálogo de saberes, onde popular e acadêmico se unem. Onde as certezas universitárias são questionadas. Onde o saber popular encontra voz para debater. Um local de percepção da diversidade.

 
Não, senhor professor doutor catedráulico fundamental, não fazemos extensão para salvar crianças em Itapuã, para incutir conhecimento em mulheres na Ceilândia ou para aplicar o Direito em situações de violência doméstica. Não fazemos extensão para ganhar horas complementares.
 
Fazemos extensão por entender que o diálogo de saberes que nessas atividades ocorre é fundamental para melhor pensar a realidade, para melhor pensar alternativas à realidade. Fazemos extensão por ver nela passo fundamental para a extensão (“desenvolvimento, alargamento”) da experiência universitária.

Extensão Para Quê?

novembro 4, 2009 às 8:32 pm | Publicado em Artigos | 1 Comentário
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Por Renata Cristina de F. G. Costa (Presidente do Fórum de Extensão da Faculdade de Direito – UnB e Aluna do 5º Semestre do curso de Direito)

Pensei inicialmente em inaugurar nosso blog com um artigo longo e tedioso sobre a Extensão em suas concepções acadêmicas segundo os maiores doutrinadores da questão, sobre sua base constitucional prevista no nosso famoso art. 207 (aquele tão falado tripé), sobre o histórico de criação deste grupo que pretende entender e trabalhar tudo e qualquer coisa relacionada a uma simples palavra: Extensão…

Porém, não faria nenhum sentido com o que a Extensão e a Universidade (como nós a entendemos) se propõem a pensar e o que o Fórum de Extensão da Faculdade de Direito (Fex) se compromete a fazer. Portanto, me pareceu mais oportuno que comentasse algo relativo ao que vivenciamos hoje na Universidade e que escrevesse sobre o tema que sugere o título já que é exatamente essa a discussão que deu início ao nosso grupo, e imagino que também seja a “pulga atrás da orelha” de qualquer um que investe seu tempo lendo aqui nossas palavras.

Dessa forma, neste texto busco transformar letras frias e desconexas em palavras expressivas e provocadoras que de alguma maneira mágica transmitam as experiências e vivências que justificam a Extensão para além do que dizem os livros e Constituições. Ou seja, expressar em palavras o que não é facilmente dizível: tentar expor um pouco do que realmente motivou cada um de nós estudantes que se envolveram na criação do Fex a buscar a Extensão Universitária da maneira que a conhecemos na Faculdade de Direito da UnB. E ainda, se não for pedir demais, tentar convencer algumas almas a se juntar a nós, pois de nada adianta a música se não há ninguém que se comprometa a tocá-la.

Acredito que seja necessário esclarecer também que me pareceu bastante contraditório (justo em um espaço que rompe com o modelo tradicional ultrapassado de Universidade que todos nós conhecemos) manter o formalismo que a Academia nos exige. Nesse sentido, não estranhem a linguagem, tomo liberdade (após três parágrafos já escritos) de falar em primeira pessoa e de me desprender da tão louvável vontade e necessidade que temos de citar grandes nomes para fundamentar nossos argumentos. Algumas vezes enriquece, outras, escamoteia. Por isso a utilizarei com cuidado.

Faço todas essas considerações por um motivo: nossas escolhas devem ser coerentes com nossas atitudes e ideologias. Dessa maneira, as diversas razões que justificam as escolhas já postas sobre a mesa são as bases que nos guiarão ao ponto chave desse texto, qual seja, tentar responder à pergunta “Extensão pra quê?”.

Diante das escolhas feitas por mim nesse texto, em primeiro lugar, é preciso ressaltar que, na Extensão não há por que falar em terceira pessoa, pois não há razões para fingir ser neutra, pelo contrário, é necessário reconhecer e assumir suas decisões. A Extensão é política. Fato. Assim como a Ciência, o Direito também o são. A diferença está na transparência de suas posturas.

Quando se fala sobre ser político, neste contexto da Extensão Universitária, não quer dizer necessariamente ser partidário. Disse “não necessariamente”, pois tanto pode ser como pode não ser. O importante é compreender que, acima de tudo, na Extensão, ser político significa ter liberdade de escolher e assumir a posição que se quer diante do mundo, opção esta que pode ser resumida (como gostamos de fazer em nossa sociedade ocidental) em uma dicotomia: agir ou não agir.

A escolha de agir, ou seja, de adentrar na realidade social que cerca os muros universitários, poderosos isolantes que criam uma artificialidade de conforto sem fim aos privilegiados estudantes, e conhecê-la, e com ela discutir os problemas sociais que tanto afligem nosso país é uma atitude que tem conseqüências. Claro. Assim como tem conseqüências, para sua própria formação universitária ou ainda para a complexa sociedade que nos cerca e que anseia por soluções, a decisão de se limitar a conhecer apenas o que lhe é oferecido e decidir por não responder a esses anseios. (Sem julgamento de mérito ou exposição de mais opiniões, fico satisfeita em provocar a reflexão sobre tais questões e iniciar uma chamada pessoal para que posturas sejam assumidas diante de todos e todas que esperam algo da Universidade).

Dessa forma, assumir que “as coisas estão ótimas do jeito que estão” é uma postura. Temos que reconhecer que é exatamente a postura que condiz com aquele que ocupa justamente essa condição “ótima” da qual fala, que geralmente compõe uma pequena parcela da população, em outras palavras, uma elite. Se assim o assumir deve levar em conta o que já foi dito anteriormente, que seja coerente em todos os aspectos de sua existência: posição política, base ideológica e atitudes. Seja reacionário, seja revolucionário, deve ser coerente.

Impossível não fazer referência a Darcy quando se fala sobre tudo isso, adentrando um pouco no tema da Universidade e sua função social, sobre o “agir” ou “não agir”, sobre o conformismo ou a inquietude. Devemos nós universitários pensar o Brasil – problema e construir soluções com a sociedade que nos permitam compreender melhor esse enorme país ainda tão desigual e pensar formas de resolução dos intensos conflitos que o Brasil ainda vive?

A Extensão Universitária, da maneira que a conhecemos, entende que sim. Para os extensionistas, pessoas inconformadas por natureza, não faz sentido passar quatro, cinco, seis (!) anos de curso, trancafiados em uma sala de aula para absorver como uma esponja passiva a louvável sabedoria de nossos gloriosos professores, fontes eternas e infalíveis de conhecimento. É preciso ter algo mais que isso, até mesmo por uma questão verdadeiramente de sobrevivência na árdua caminhada da Academia. Tentaram cortar nossa utopia, no sentido de esperança, de todas as formas, mas ainda não conseguiram.

É nesse sentido que a Extensão nos leva a negar que “as coisas estão ótimas do jeito que estão”, há sempre o que melhorar. A Extensão se inclina em direção a essa maneira de se ver o mundo para além da Universidade, incentivando nos estudantes que tenham uma atuação direta no sentido de transformação social do meio em que vivem, rejeitando qualquer tipo de acomodação e dormência que constantemente nos sufoca dentro das salas de aula desde o primário até a Universidade. Até a Universidade já é para lá do que consideramos como bastante.

A partir do exposto é fácil concluir que, em segundo lugar, na Extensão não há porque citar, a todo momento, autoridades que nos dêem fundamentação, pois se trata de um espaço de valorização de experiências e saberes, de troca e construção, e, acima de tudo, de autonomia.

Não há espaço na Universidade em que mais se crie, mais se conheça, mais se acredite, mais se viva e se experimente. A partir da Extensão se aplicam os conteúdos do Ensino e se concretizam os questionamentos da Pesquisa. Puxando a sardinha para nosso lado, não consigo pensar em nada mais completo. Claro que também não defendemos o anarquismo, pois seria revolução demais para nossa Faculdade de Direito, pedimos apenas que seja cumprida a Constituição Federal.

Portanto, é possível compreender que a “indisciplina” (como rompimento do ensino tradicional) da qual fala Leila Chalub, a “utopia” (como necessidade existencial fundamental do ser humano) da qual fala Paulo Freire e ainda a inquietude que cada um de nós alimenta são os principais motores da Extensão Universitária, sendo eles mesmos os responsáveis pela formação de cidadãos e profissionais críticos, autônomos e conscientes.

Longe de querer tirar a importância de todo nosso legado e forma de ensino que também já nos fez crescer e muito, tenho apenas a intenção de mostrar as oportunidades que a Universidade nos oferece para que a vivenciemos de maneira plena. Não pretendo converter ninguém a nenhuma religião. Apenas sugiro que experimentem. Experimentem de tudo para que não se arrependam de não haver tentado.

Sendo bastante sincera… Depois de todas as palavras aqui escritas, a pergunta “Extensão pra quê?” parece um tanto quanto boba e talvez até desnecessária. Em se tratando de algo que consiste basicamente em se desprender e romper com estruturas tradicionais de ensino, algo em que o experimentar é fator determinante, não faz sentido dizer aqui mais nada além dessa última frase: apenas vivenciando é que é possível saber.

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